LENDO AS FOLHAS DE CHÁ DO FIM DA GUERRA NA UCRÂNIA

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Em vários livros recentes, especialistas em Rússia e Ucrânia avaliam a importância do Grupo Wagner e tentam prever como será a invasão de Putin.

Por Thomas E. Ricks
27 de junho de 2023
A invasão russa da Ucrânia, que começou em fevereiro do ano passado, levou à maior guerra na Europa em muitas gerações. Mesmo antes de o Grupo Wagner – a força paramilitar de 50.000 homens que lutava ao lado de soldados russos – assumir o controle de instalações militares na cidade de Rostov-on-Don, no sudoeste da Rússia, na semana passada, com o aparente objetivo de derrubar o comando militar de Moscou, o A incursão na Ucrânia parecia um grande fracasso para seu instigador, o presidente Vladimir Putin. Um mês após o início da guerra, ela já havia se tornado “uma confusão de proporções históricas”, como disse recentemente um correspondente veterano da Ucrânia. Portanto, não é à toa que este ano traz vários novos livros com o objetivo de resumir o conflito e refletir sobre como ele pode terminar.

Ao considerar para onde a guerra está indo, é útil começar lembrando o quanto muitos observadores russos se enganaram sobre seu curso até agora. Quando começou, o jornal russo Izvestia prometia uma derrota ucraniana cinco dias após o ataque inicial. Cinco semanas após a invasão, o porta-voz de Putin afirmou que as forças armadas da Ucrânia foram “em grande parte destruídas”.

Mas uma guerra destinada a minar os líderes da Ucrânia e a OTAN fortaleceu ambos. A Bulgária, a Romênia e os três estados bálticos expressaram forte oposição aos atos de Putin. Menos notado no Ocidente é como a guerra da Rússia também alienou ex-nações soviéticas, como Azerbaijão e Cazaquistão.

Para ser justo, muitos analistas não russos também erraram o alvo. Pouco antes da guerra, o historiador escocês-americano Niall Ferguson escreveu que a Ucrânia não receberia “nenhum apoio militar significativo do Ocidente” e especulou sobre o local da parada da vitória de Putin. Quando a invasão começou, o ministro das finanças alemão, que também é oficial da reserva da força aérea alemã, teria dito ao embaixador ucraniano que a guerra terminaria em questão de horas. O embaixador chorou.

Então, quem parece tê-lo agora?

O mais instigante da nova safra de livros sobre a guerra na Ucrânia é o rápido e incisivo RÚSSIA CONTRA A MODERNIDADE, de Alexander Etkind (Polity, 166 pp., brochura, US$ 19,95). O livro é ambientado no futuro e lançado como uma análise pós-guerra de por que a Rússia foi derrotada na Ucrânia. Etkind, professor da Central European University em Viena, constrói suas especulações com base nas falhas da sociedade que Putin construiu – um petroestado antidemocrático e parasitário que historicamente dependia de combustíveis fósseis como petróleo e gás para dois terços de suas exportações. Sua extração é controlada principalmente na Rússia por políticos e ex-seguranças que valorizam muito mais a lealdade política do que a competência gerencial.

A capa de “Russia Against Modernity” tem um fundo azul e amarelo, lembrando a bandeira ucraniana, com uma bomba lançada do ar em pé sobre as aletas. O cone do nariz da bomba foi substituído por um conjunto em miniatura de estruturas de bombeamento de óleo, incluindo um macaco de bomba.

Etkind descreve a invasão de Putin como “uma guerra entre gerações”, observando que o gabinete da Ucrânia é composto principalmente por pessoas com menos de 50 anos, enquanto a maioria dos membros do gabinete da Rússia são mais velhos. Ele sugere que os funcionários que dirigem a Rússia de Putin sabem que não podem competir em um mundo pós-petróleo e, portanto, são ameaçados por todos os aspectos da modernidade, da democracia às mudanças climáticas e à tolerância à homossexualidade. Etkind retrata os líderes da Rússia como fósseis vivos vivendo de combustíveis fósseis. Ele tem razão: quando foi a última vez que alguém comprou um chip de computador fabricado na Rússia?

A capa de “Overreached” mostra o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o russo Vladimir Putin se enfrentando. Ambos são em preto e branco e vistos dos ombros para cima e de perfil.

A capa “The War Came to Us” mostra uma foto em close de uma bandeira ucraniana esfarrapada, com um rasgo na faixa amarela inferior da bandeira.

A melhor visão da luta real é provavelmente OVERREACH: The Inside Story of Putin’s War Against Ukraine (Mudlark, 414 pp., brochura, US$ 21,99), do jornalista Owen Matthews. Ele oferece uma visão geral direta e legível dos diferentes níveis do conflito, desde a frente de batalha até as posições dos governos em guerra e o impacto sobre os civis.

Matthews, correspondente do The Spectator na Rússia, trabalhou anteriormente na Rússia para o The Moscow Times e para a Newsweek. Sua discussão pessimista sobre por que a maioria dos russos apoiou a guerra de Putin, pelo menos até recentemente, é preocupante. A confiança dos militares russos nos mercenários que compunham o Grupo Wagner era fundamental. Wagner encontrou recrutas entre “ladrões e assassinos, crianças pobres de províncias distantes e soldados de repúblicas remotas de minorias étnicas”, escreve Matthews. “Manter as baixas para um exército de descartáveis reduz as chances de uma reação popular.”

Outro esforço jornalístico, não tão bom quanto o de Matthews, é THE WAR CAME TO US: Life and Death in Ukraine, de Christopher Miller (Bloomsbury, 374 pp., US$ 28). Miller, correspondente ucraniano do Financial Times, passou mais de uma década fazendo reportagens no país. Este livro me pareceu o “limpador de notebook” de um repórter, no qual o autor simplesmente despeja velhas anotações de campo em um novo manuscrito. Como em muitos outros volumes sobre a guerra, Miller não chega à invasão russa em grande escala até mais da metade de seu livro – mas, quando o faz, é particularmente bom em recontar os caóticos e precários primeiros dias da guerra. Alguns oficiais de segurança ucranianos estavam colaborando com os russos, relata Miller, e células adormecidas russas já em Kiev foram ativadas para realizar missões de assassinato e sabotagem.

THE RUSSO-UKRAINIAN WAR: The Return of History (Norton, 376 pp., $ 30), do historiador ucraniano Serhii Plokhy, é um pouco mais seco, embora ele provavelmente esteja certo quando observa que um efeito da invasão já está claro: “ A nação ucraniana emergirá desta guerra mais unida e segura de sua identidade do que em qualquer outro momento de sua história moderna”.

O livro de Samuel Ramani, PUTIN’S WAR ON UKRAINE: Russia’s Campaign for Global Counter-Revolution (Oxford University, 603 pp., $ 29,95) é difícil de ler, mas suas descrições enciclopédicas podem render detalhes interessantes e algumas análises táticas sólidas. Curiosamente, ele observa que a confiança de Putin no Grupo Wagner “permitiu que ele criasse um poder alternativo vertical que consolidou seu controle pessoal sobre a política de segurança” e “protegeu Putin de um golpe no palácio quando a guerra não ocorreu conforme o planejado”.

Ramani, especialista em política e relações internacionais em Oxford, argumenta que os aliados russos menos eficazes na luta foram as unidades chechenas. A fraqueza dos chechenos, diz ele, é que eles estão acostumados a reprimir civis, não a lutar contra oponentes armados no campo de batalha. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, sobreviveu a mais de uma dúzia de tentativas de assassinato. Felizmente para ele, muitos deles foram supostamente lançados por unidades de forças especiais chechenas designadas por Putin para a tarefa assassina, enquanto outros foram executados pelo Grupo Wagner.

A questão que paira sobre tudo é se a Rússia acabará perdendo a guerra. A linha oficial do governo de Putin é que a Rússia prevalecerá por causa de “processos históricos objetivos”, como diz o ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov. A conclusão de Ramani é quase tão obscura: “A Rússia não pode vencer e não pode se dar ao luxo de perder a guerra”.

Matthews, com um pouco mais de clareza, argumenta que a guerra só pode terminar em um acordo negociado, que Putin pintará como uma vitória. Ele também presume que, mesmo que Putin posteriormente caia do poder, provavelmente será substituído por um ultranacionalista de extrema direita, sugerindo que um Putin danificado é melhor do que um Putin derrubado.

Plokhy, apesar de sua previsão da unidade nacional ucraniana, argumenta que a Ucrânia perderá parte de seu território para uma esfera de influência sino-russa, com a linha divisória representando uma Cortina de Ferro do século XXI.

Etkind, que é o mais persuasivo do grupo, prevê um resultado muito diferente: não apenas Putin perderá, mas, como resultado, a Federação Russa se desintegrará, sugerindo que a Chechênia e outras regiões afrouxarão os laços com Moscou ou se tornarão completamente independente. Eu suspeito que ele está certo. Em 2005, Putin lamentou o colapso da União Soviética como a “grande catástrofe geopolítica” do século XX. Seria irônico se sua guerra completasse a dissolução soviética.

Mas a guerra na Ucrânia já enganou muitos observadores e participantes, então devemos ter cuidado ao colocar muita fé em qualquer previsão.

Thomas E. Ricks, colunista de história militar da Book Review, é autor de oito livros, mais recentemente “Waging a Good War: A Military History of the Civil Rights Movement, 1954-1968”.

TRADUÇÃO POR Lucas Eller, Nova York