Mesmo para o ser humano relativamente bem instruído, entender a dinâmica do mundo que nos cerca pode ser realmente difícil, especialmente em escala global. E num tempo de “correção” política (superficial), e do “ativismo” político com base nas redes sociais, é inevitável ser bombardeado com quantidades maciças de “informações” indiscutivelmente reguladas.
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Eu acredito que uma das metas possíveis que um artista pode estabelecer para si mesmo é o de usar sua voz, através da arte, para passar conciência e clareza sobre questões das quais ele tem profunda compreensão. Apenas posso supor que essa tenha sido a intenção do diretor mauritano Abderrahmane Sissako (também co-escritor) e sua co-escritora, Kessen Tall, com Timbuktu, mas o que tenho certeza é que, de dentro do turbilhão midiático da (falta de) informação sócio-política em que me encontro ao pesquisar informações sobre essas regiões, este filme ofereceu um impressionante retrato estético e profundamente humano da cidade malesa de Timbuktu (também conhecida como Tombuctu).
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Contextualização é fundamemtal para entender esse filme, e embora possa ser dito que isso significa Sissako pregando para os convertidos, aqueles que buscam informar-se, ele consegue fazê-lo com sutileza e um toque poético.
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Essa é a história do pastor de gado Kidane (interpretado com profundeza e nuança por Ibrahim Ahmed), que está tentando viver pacificamente, não tão longe da cidade de Timbuktu, com sua esposa Satima (interpretada com dignidade por Toulou Kiki), sua filha Toya (interpretada com charme e frescor por Layla Walet Mohamed), e seu pastor Issan (Mehdi Ag Mohamed). A área vem perdendo moradores, que fogem com medo, desde que a cidade vizinha foi ocupada, e agora é governada por fundamentalistas religiosos que tornam a vida difícil para as pessoas, proibindo música, cigarros, risos e até mesmo o futebol. Os jihadistas chegam a estimular leis e regras que lhes permitam reprimir as pessoas, especificamente as mulheres, e os esforçoes da manutenção da paz de Imam (interpretado com grande empatia por Adel Mahmoud Cherif) servem para pouco proveito.
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Além da visita ocasional como pretendente de Satima do jihadista Abdelkerim (sensivelmente interpretado por Abel Jafri) enquanto Kidane se foi, ele e sua família são os mais protegidos do caos de Timbuktu, todavia, uma briga com Omar, o pescador local (o intenso Cheik AG Emakni) sobre uma vaca morta rapidamente muda seu destino.
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Kettly Noels, retrato de Zabou, uma das habitantes mais excêntricas de Timbuktu certamente merece a menção, como ela é uma dos vários elementos Sissako fornece magristralmente a fim de fazer esse filme facilmente assistível, apesar de seu enredo dramático.
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De tudo, um retrato informativo de vários aspectos do Islã é pintado, destacando as diferenças colossais entre os extremistas sedentos de sangue e os pacíficos, de maioria não violenta. Enquanto Sissako confirma sua maestria na arte do cinema, isso não teria sido possível sem a equipe na qual ele se juntou. As incrivelmente belas imagens da cineasta Sofian El Fani, e a marca deixada por Amin Bouhafa merecem destaque.
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E embora o filme não seja excessivamente sombrio, deve-se dizer que a fotografia original teve de ser transferida do Mali para a vizinha Mauritânia por causa das condições perigosas que continuam a existir no Mali, nos dias atuais.
CRITICA CINEMATOGRAFICA por Lorenzo Pozzan, Nova York
TRADUÇAO por Taiana Matos, Rio de Janeiro